Palestra na Cidade Universitária discute origens da violência

17/09/2008 15:37:05 - Jornalista: Grazielle de Marco

As origens dos conceitos que permeiam a sociedade em relação à violência. Este foi um dos tópicos abordados pela professora de Psicologia na Universidade Federal Fluminense (UFF), presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, Cecília Coimbra, nesta terça-feira (17), na Cidade Universitária, durante a palestra Violência e Exclusão Social.

A palestra fez parte do projeto Encontros de Diálogos e Compromisso Social, da Fundação Educacional de Macaé (Funemac), que tem como objetivo criar um espaço para discussão de temas atuais, propondo encontros baseados no diálogo e no comprometimento com o social.

De acordo com o organizador do evento, Meynardo Rocha, o objetivo do projeto foi atingido. “Nos alegra recebermos tantas pessoas, que não são de nosso convívio diário, presentes na palestra. Isso significa que estamos atingindo outras esferas da sociedade”, disse.

O presidente da Funemac, Joelson Tavares, concordou. “É uma alegria a presença de tantas pessoas para este evento, e especialmente abrir este espaço com a presença da professora Cecília Coimbra. Foi um momento rico de reflexão que impactou nosso trabalho”, afirmou.

Palestra enfocou origens da violência

Durante a palestra, a professora Cecília Coimbra lembrou que a violência sempre existiu na nossa sociedade, mas que o “medo” das pessoas está aumentando nos últimos anos.

- Tenho ouvido muito as pessoas dizerem: não sei por onde vou, mas sei que por aí não vou. Desde que o grupo Tortura Nunca Mais, do qual sou presidente, surgiu em 1985, temos percebido uma mudança. Estamos hoje vivendo um momento delicado, complexo e perigoso, de avanço do movimento penal, ao lado de uma profunda produção de subjetividades individualizantes e violentas, afirmou a professora.

De acordo com ela, esta subjetividade, enquanto modo de viver e existir, vem sendo criada desde o fim do século XIX e tem sido absorvida como natural.

- Estas produções são tão eficientes, que pensamos que são coisas que sempre existiram e sempre existirão. Falo de um modo de perceber o mundo. Por exemplo, não nos damos conta da naturalização da ligação entre pobreza e criminalidade. Uma frase muito comum e que tem sido muito reproduzida é ‘Direitos humanos é defesa de bandido’. Porque os direitos humanos tem sido qualificados assim?, completou.

Para a professora, a explicação começa a se tornar mais clara a partir do pensamento de filósofo Foucault.

- Foucault nos traz uma contribuição importante: com a emergência da sociedade disciplinar, se produziu o dispositivo da periculosidade. Tão importante quanto aquilo que o indivíduo fez, é aquilo que ele pode fazer. Começamos a fazer o controle das vistuosidades”, comentou. Como exemplo deste tipo de construção ela apontou: “se o indivíduo é negro, pobre, morador da periferia, olhamos para ele e acreditamos ser perigoso. A questão da negritude está muito presente na subjetividade. Acreditamos que alguns elementos são mais perigosos que outros no nosso dia-a-dia, mas porque? Inconscientemente acreditamos que determinados seguimentos da sociedade, se já não são, podem se tornar perigosos”.

Coimbra chama a esse efeito de controle da virtuosidade. “Não estou querendo dizer que a violência não existe, mas é produzida massivamente pelos meios de comunicação de massa”, ressaltou lembrando as construções de subjetividade que foram feitas durante o curso da história.

- Durante o governo Getúlio Vargas, a rua é produzida como local do perigo. Nela estão as doenças, a barbárie. Inicia a dicotomia entre rua e lar. Enquanto a Rua é o lugar da periculosidade, o lar é local da segurança e do conforto. São criados então dispositivos para controlar os eventos da rua.

Ela enfatizou que, ao lado das reordenações urbanas para melhor policiar as ruas, a pobreza foi sendo empurrada para determinados lugares, formando as favelas. “Alguns documentos do século XX falam sobre as chagas das favelas do Rio, ligando pobreza e violência. Se a pobreza não for tratada, poderá ser perigosa. Ao mesmo tempo, temos a divisão entre criança e menor”.

Ela comenta que em 1927 é criado o Código de Menores para a Infância em Perigo e Perigosa, que cria marcas que estão até hoje. “Vemos nos jornais manchetes que dizem ‘Menor rouba criança’. Chamamos de menor o pobre e de criança nossos filhos. Criam-se modos de percebermos a pobreza. Os direitos humanos defendem os bandidos porque quem tem os direitos humanos ferido é a pobreza”, finalizou.